Paulo R. Costa1; Alair A.S.M.D. dos Santos2; Lidia V. de Sá3; Hugo R. Schelin4; Cinthia Kotzian5; Luis A. G. Magalhães6; Simone Kodlulovich3; Helen J. Khoury7
1 Departamento de Física Nuclear, Instituto de Física, Universidade de São Paulo
2 Vice-Presidente CBR/ Rio de Janeiro e Prof. Associado e Chefe do Serviço de Radiologia do Hospital Universitário Antônio Pedro da Universidade Federal Fluminense, Brasil
3 Comissão nacional de Energia Nuclear, Brasil
4 Instituto de Pesquisa Pelé Pequeno Príncipe, Curitiba, Brasil
5 Comité de Bioseguridad, Hospital Universitario de Saltillo, Universidad Autónoma de Coahuila, México
6 Laboratório de Ciências Radiológicas, Instituto de Biologia Roberto Alcântara Gomes, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil
7 Departamento de Energia Nuclear- Universidade Federal de Pernambuco, Brasil
O texto que segue tem como objetivo compartilhar experiências vividas recentemente pelos autores com colegas radiologistas, físicos, reguladores, profissionais de proteção radiológica, fabricantes de equipamentos, educadores e todos aqueles que, direta ou indiretamente, contribuem para o desenvolvimento e a aplicação da cultura da proteção radiológica na Medicina. Estas experiências ocorreram na semana entre 11 e 15 de dezembro de 2017 em Viena, durante a International Conference on Radiation Protection in Medicine: Achieving Change in Practice. Esta conferência foi organizada pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), pela Organização Pan-americana da Saúde (OPAS) e pela Organização Mundial da Saúde (OMS), além de contar com o apoio de outras dezesseis instituições de grande prestígio internacional. O evento contou com a participação de 534 conferencistas de 97 países. Foram apresentados cerca de 80 pôsteres e realizadas 8 sessões com apresentações orais, 4 mesas redondas, além de diversas outras apresentações por parte dos participantes e das instituições que apoiaram o evento. Além disso, mais de 25 mil pessoas assistiram as sessões de comunicação através do Facebook. O Brasil se fez representado através da participação de 25 profissionais, entre representantes da CNEN/IRD, do CBR (Colégio Brasileiro de Radiologia), e pesquisadores de diversas universidades e membros de outras organizações, com apresentações de pôsteres e apresentações orais na Conferência.
Esta conferência foi uma sequência da International Conference on Radiation Protection in Medicine – Setting the Scene for the Next Decade, realizada em Bonn em dezembro de 2012. O evento reuniu mais de 500 participantes e observadores de 77 países e, também, 16 organizações relacionadas à proteção radiológica em Medicina para definir o cenário nesta área para a próxima década. A ideia foi identificar responsabilidades e apresentar uma proposta de prioridades que devessem ser enfrentadas pelos profissionais e entidades relevantes nesta área. Resultado desta discussão foi sintetizado em um documento, amplamente divulgado em diversos idiomas, chamado Bonn: Call for Actions (BCfA)[1]. De forma resumida, a iniciativa da WHO e da IAEA teve as seguintes metas:
- Indicar falhas nas abordagens atuais para a proteção radiologia em Medicina;
- Identificar ferramentas para melhoria da proteção radiológica em Medicina;
- Revisar os avanços, os desafios e as oportunidades no campo da proteção radiológica em Medicina; e
- Avaliar o impacto do Plano de Ação Internacional para Proteção Radiológica de Pacientes de modo a preparar novas recomendações internacionais, levando em consideração os novos desenvolvimentos.
Há consenso entre as instituições envolvidas na definição das ações do BCfA de que a utilização da radiação em medicina deve buscar um equilíbrio entre os benefícios decorrentes da possibilidade de melhoria da saúde humana com os riscos associados o uso de tecnologias que utilizam radiações ionizantes para esta finalidade. Este consenso considera, entre outras coisas que “Há necessidade de uma abordagem holística que inclui parceria dos governos nacionais, da sociedade civil, organismos internacionais, investigadores, educadores, instituições e associações profissionais com o objetivo de identificar, defender e implementar soluções para enfrentar os desafios existentes e emergentes, além de liderarem, harmonizarem e coordenarem atividades e procedimentos a nível internacional.” (extraído da brochura do BCfA em português). Assim, foram estabelecidos cinco objetivos principais que permearam as discussões realizadas na reunião de 2012. Estes objetivos foram:
- Fortalecer a proteção radiológica dos pacientes e dos profissionais de saúde em geral;
- Alcançar o maior benefício com o menor risco possível para todos os pacientes através do uso seguro e adequado da radiação ionizante em medicina;
- Apoiar a integração total da proteção radiológica nos sistemas de saúde;
- Ajudar a melhorar o diálogo sobre risco/benefício com os pacientes e com o público;
- Aumentar a segurança e a qualidade dos procedimentos em medicina nuclear, em radiodiagnóstico e em radioterapia.
A partir destes objetivos foram destacadas dez ações principais, cada uma delas desmembradas em sub-ações, que foram consideradas essenciais para a melhoria das condições de proteção radiológica em Medicina. Estas ações, a serem implementadas no horizonte de dez anos a partir de 2012, estão apresentadas a seguir[2]:
- 01 – Melhorar a aplicação do princípio da justificação;
- 02 – Melhorar a implementação do princípio da otimização da proteção e segurança;
- 03 – Reforçar o papel dos fabricantes na contribuição para o regime geral de segurança;
- 04 – Fortalecer a educação e a formação dos profissionais de saúde em proteção; radiológica;
- 05 – Delinear e promover uma agenda de investigação estratégica para a proteção radiológica em medicina;
- 06 – Aumentar a disponibilidade e qualidade de informações globais sobre as exposições radiológicas e ocupacionais em medicina;
- 07 – Melhorar a prevenção de incidentes e acidentes com radiação utilizada em contexto clínico;
- 08 – Fortalecer a cultura de segurança radiológica na área da saúde;
- 09 – Fomentar um melhor diálogo sobre o risco-benefício no uso da radiação;
- 10 – Fortalecer a implementação de requisitos de segurança a nível global.
O evento ocorrido em dezembro de 2017 em Viena, por sua vez, teve como objetivo central a avaliação e a revisão das ações e das iniciativas tomadas no contexto das metas definidas em Bonn, cinco anos após a conferência de 2012. Os organizadores entenderam que há necessidade de monitorar os progressos realizados pelos Estados Membros da IAEA neste período. Estas ações cobrem áreas abrangentes, tais como a otimização e a justificativa de exposições médicas, a segurança na utilização das radiações ionizantes na medicina e a proteção radiológica de indivíduos ocupacionalmente expostos e do público, quando radiações ionizantes são utilizadas no diagnóstico, em intervencionismo, na terapia ou em pesquisa.
Desta forma, a ideia central foi a divulgação e a revisão das abordagens adotadas para a implementação do BCfA e, ainda, a harmonização das atividades em curso entre as organizações internacionais e profissionais envolvidas em proteção radiológica em Medicina. Além disso, o evento deveria estimular que os envolvidos e os tomadores de decisão nesta área realizassem projeções de futuro tendo como base iniciativas de sucesso e o aprendizado obtido nestes últimos cinco anos.
Os autores do presente documento entendem que não caberiam aqui resumos extensivos de todos os temas abordados pelos renomados apresentadores dos temas convidados. Muitas destas informações, incluindo trabalhos completos, estão disponíveis no sítio eletrônico do evento[3]. A seguir são destacadas algumas observações interpretadas como importantes para o entendimento do estado-da-arte em proteção radiológica em medicina, enfatizando os pontos que, segundo o entendimento dos autores, devem ser priorizados por todas as entidades envolvidas com o tema, incluindo as sociedades profissionais, os fabricantes de equipamentos, os educadores e os reguladores.
Como destacado anteriormente, as apresentações da Conferência foram divididas entre sessões orais e mesas redondas, além de Breakout Sessions realizadas nos horários de intervalo para almoço, onde instituições como a European Community (EC), United Nations Scientific Committee on the Effects of Atomic Radiation (UNSCEAR) e a International Society of Radiology (ISR) apresentaram temas relacionados às metas do BCfA. Em geral, os tópicos mais intensamente abordados fizeram referência, direta ou indireta, à necessidade de melhorias na comunicação de risco, na justificativa das práticas e na ausência de níveis de referência em diagnóstico (DRL) mais confiáveis. Foi, também, discutido o tema da autonomia do paciente com respeito a sua decisão de aceitar ou não um diagnóstico e/ou terapia com radiações ionizantes, fundamentado em um dos quatro princípios da Bioética. Apenas a título de exemplo, a pesquisadora Margareth Murphy, da Irlanda, tratou do tema do desconhecimento dos pacientes com respeito aos riscos associados ao uso de técnicas com radiação ionizante. Entende-se que os pacientes têm um falso sentimento de segurança ao realizarem procedimentos médicos envolvendo radiação. Enfatizou a necessidade de mecanismos para a correta comunicação com os pacientes de forma que estes riscos sejam mais bem entendidos e não minimizados. Por fim, destacou que a estratégia futura deveria concentrar-se em aumentar a consciência dos pacientes através da educação e de ferramentas que facilitem o diálogo. Outra apresentação que merece destaque foi realizada por Eliseu Vaño, da Espanha, que tratou, ponto por ponto, do que foi realizado desde a proposição do documento BCfA, que resultados foram obtidos e como as práticas foram modificadas. Além disso, o prof. Vaño abordou o que pode ser feito para melhor implementação das ações e, ainda, quais os desafios futuros tratando de temas associados à proteção radiológica ocupacional na área da radiologia intervencionista. O pesquisador apontou a identificação de mais ações de pesquisa, mais regulamentos, maior quantidade de materiais de treinamento e guias que levem à melhoria das condições de proteção radiológica. Ressaltou, também, que o número de publicações na área de proteção radiológica em radiologia intervencionista aumentou de 100-300% após a conferência de Bonn. Por fim, destacou a necessidade de reforçar ações de treinamento em radioproteção e monitoração de pessoal, tanto nas áreas tradicionais quando nas novas tecnologias híbridas, incluindo o desenvolvimento de ferramentas que facilitem estas ações.
Nos momentos de intervalos, coffe break e lunch break, da Conferencia foram proporcionadas várias exposições nas quais se levaram ao conhecimento de diferentes programas implementados para a melhora da pratica da proteção radiológica a nível mundial. Foram abordados temas com respeito às seguintes comunidades cientificas e os programas adotados a nível mundial, na seguinte ordem: SAFRON[4], experiência da Comunidade Europeia, WHO[5], SEVRRA-SAFROM[6], UNSCEAR[7] (considerando a sexta ação da BCfA), acessos a RPOP[8], ISEMIR[9], ISR[10], e SAFRAD[11], permitindo uma discussão aberta e plena com respeito temas relevantes na área de Segurança Radiológica.
As sessões finais, contudo, foram as que sintetizaram, de forma mais objetiva, a mobilização necessária para que sejam estabelecidos planos de ação concretos para melhoria da proteção radiológica em Medicina nos próximos cinco anos. Desta sessão final os autores destacam a palestra da Dra. Ana Maria Larcher, que apresentou as atividades recentes do Fórum Ibero-americano de Organismos Reguladores Radiológicos e Nucleares. Este Fórum é uma associação criada em 1997 com o objetivo de promover a segurança radiológica, nuclear e física no mais alto nível na região ibero-americana. Em sua apresentação, a Dra. Larcher destacou a ausência de competências especificamente definidas, a necessidade de pensar em perspectiva, visando ações futuras efetivas, e a fraqueza dos órgãos reguladores, esta última explicitada na Ibero-American Conference on Radiation Protection in Medicine, realizada em Madri em outubro de 2016. Outro ponto de destaque associado às ações futuras do Fórum, no horizonte de 2017-2022, encontra-se explicitamente a definição de elementos que contribuam para a efetivação das ações definidas em Bonn, principalmente aqueles associados à área regulatória. Destacou, enfim, que o Fórum vem reforçando suas contribuições para construção de capacitação adequada que resulte em melhor regulação na região ibero-americana para as áreas associadas às práticas médicas.
Nesta mesma sessão final foram realizadas apresentações de outras instituições correlacionadas à proteção radiológica, tais como a Conference of Radiation Control Program Directors (CRCPD), a Heads of the European Radiological Protection Competent Authorities (HERCA) e a International Radiation Protection Association (IRPA). Destacam-se, porém, apresentações de representantes dos ministérios da saúde de Israel, da Malásia e de Cuba. Estes representantes demonstraram os planos de ações de seus países na direção da implementação das ações definidas no BCfA. Este envolvimento institucional oficial e ativo por parte dos reguladores parece, aos autores do presente documento, uma prerrogativa necessária para a implementação efetiva e harmônica destas ações em todo o país.
Em nova apresentação, o prof. Eliseu Vaño organizou, utilizando diferentes tópicos inter-relacionados, cinco problemas associados a algum destaque nas oito sessões orais que compuseram a Conferência. Em suas conclusões, destacou:
- Necessidade de melhorias no treinamento, inicial e continuado, em proteção radiológica em Medicina e na cultura da segurança radiológica;
- Necessidade de melhorar e atualizar regulamentos e guias;
- Necessidade de melhorar o treinamento de inspetores;
- Número insuficiente de físicos médicos na Área de Diagnósticos por Imagem em Geral e em Radioterapia;
- Promover o uso dos Níveis de Referência em Diagnóstico (DRL-Diagnostic Reference Levels);
- Esforços para evitar incidentes e acidentes com exposições médicas; e
- Esforços para o uso seguro de novas tecnologias em medicina.
Estas conclusões, segundo o pesquisador, podem servir como roteiro para melhoria da proteção radiológica na Medicina, apoiando a identificação de mecanismos para promover ações catalizadoras das organizações internacionais e de redes regionais para implementação das soluções propostas aos problemas identificados.
As conclusões finais do evento foram apresentas pelo chair, PhD Madan Rehani, e pelo presidente do congresso, PhD Geoffrey Ibbott. O primeiro iniciou questionando se o BCfA estava funcionando. Concluiu que sim e apresentou uma série de indicadores de desempenho, tais como:
- Aumento das publicações na literatura;
- Surgimento de campanhas nacionais e regionais tratando do tema;
- Ações e ferramentas iniciadas por diversas associações;
- Histórias de sucesso apresentadas na Conferência, particularmente vindas de países em desenvolvimento; e
- Variação temporal das doses em pacientes e trabalhadores.
Seguiu explorando alguns pontos comuns que configuram desafios que devem ser considerados por aqueles envolvidos no processo de implementação das metas do BCfA. O prof. Rehani comentou que o momento em proteção radiológica na medicina é incomum, com alto interesse pelo assunto, especialmente devido ao aumento do número de procedimentos, o aparecimento de novas técnicas e o fato de que as áreas de imagens e terapias com radiação têm apresentado uma taxa de incorporação de novas tecnologias maior que em outras áreas da prática médica. Com estes fatos, associou-se uma série de pontos comuns e lacunas existentes que necessitam de alternativas de solução para que sejam atingidas, de forma global, as metas do BCfA. Alguns destaques:
- Existência de protocolos bem estabelecidos em países desenvolvidos e frequentemente atualizados, enquanto em grande parte do mundo estes protocolos não existem;
- Reforço no princípio da justificação do procedimento junto aos médicos e dentistas que efetivamente solicitam os exames de imagem;
- Material inadequado associado a riscos e benefícios para pacientes;
- A necessidade de estabelecimento de DRLs, garantia da qualidade e designação de físicos médicos deveriam ser incluídas nos regulamentos nacionais para implementação dos requisitos das recomendações básicas de segurança e proteção radiológica contidas no documento IAEA GSR-Part 3[12]
- A necessidade de dosimetria clínica individualizada em terapia por radionuclídeos e as responsabilidades inerentes aos profissionais envolvidos, médicos e físicos médicos;
- Países deveriam investigar modelos através dos quais possam expandir o número de físicos médicos na área de diagnóstico e terapia; e
- A necessidade de inclusão de auditorias de qualidade e avaliação de risco nas práticas de medicina nuclear, radiodiagnóstico e radioterapia.
Como conclusão, o Presidente a Conferência apresentou, para cada uma das dez metas estabelecidas no documento BCfA, quais as ferramentas existentes, aquelas que estão em desenvolvimento e quais as fermentas necessárias à continuidade das ações propostas em 2012. No entendimento dos autores deste documento, este resumo geral da Conferência oferece recursos fundamentais para o bom planejamento de ações futuras, em especial para a definição de políticas públicas que ajudem a pavimentar o caminho para que o Brasil siga no rumo correto na área de proteção radiológica em Medicina.
Nossa leitura da situação do Brasil é a seguinte:
Nosso país foi protagonista na América Latina durante muitos anos nas áreas de fronteira que estão associadas à proteção radiológica em medicina. O país possui um bom número de físicos médicos, agências reguladoras e uma estrutura regulatória com responsabilidades bem definidas, programas de residência em Física Médica estruturados e de boa qualidade, com oferta de bolsas, cursos de treinamento em proteção radiológica para técnicos e tecnólogos, associações de profissionais da área médica bem estabelecidas etc.
Porém, sente-se falta de maior envolvimento e organização em algumas das entidades reguladoras que permitam a percepção de que as ações estão sendo executadas na mesma direção das metas definidas no BCfA, como claramente apresentado por outros países durante a Conferência em Viena. Um exemplo é a revisão da Portaria 453. Este documento, publicado no final da década de noventa, fez parte da história de protagonismo do Brasil na área reguladora em radiologia diagnóstica. Elogiada por muitos e utilizada como base para o desenvolvimento de regulações locais em outros países, encontra-se desatualizada após quase vinte anos de sua publicação. A agência reguladora responsável por sua implementação, a ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária vem tentando realizar revisões deste texto normativo desde o final da década passada, sem sucesso. A Agência apresentou novos textos em consultas públicas, todas fracassadas e com os textos propostos intensamente rejeitados pela comunidade atuante na área. Uma possível leitura destes fatos é, justamente, o distanciamento existente entre os textos propostos e os conceitos elencados durante as duas conferências organizadas pela WHO e IAEA, em 2012 e 2017.
Outra característica notável nas apresentações da Conferência, e que apresentam baixa ressonância no Brasil, foram as fortes ações cooperativas entre diferentes países e sociedades, em especial na Comunidade Europeia. Uma exceção recente é o Latin Safe, inspirado no Image Gently e do Image Wisely, tem como uma de suas missões promover a proteção radiológica dos pacientes na America Latina, seguindo as ideias propostas no BCfA. O Latin Safe tem grande participação da comunidade médica nacional, mas ainda pouca difusão em outras áreas que possam apoiar as iniciativas, como as agências reguladoras e o próprio governo federal. Entende-se que devem ser desenvolvidas ferramentas similares para ampliar o envolvimento da comunidade cientifica, médica, de educadores e reguladores para divulgar as metas de BCfA e tornar sua implementação uma realidade, não apenas retórica.
Os autores deste documento perguntam: o que tem sido feito no Brasil? Ações individuais são claras, qualificadas e acomodam a dedicação de muitos profissionais do país. Estas informações, porém, parecem mal difundidas e com baixo nível de organização e liderança. Assim, algumas das ações que entendemos serem necessárias para a retomada da posição de liderança e do protagonismo brasileiro, ao menos entre os países da América Latina ou do bloco do BRICS, são:
- Maior envolvimento da comunidade cientifica, médica, educadores, reguladores de forma a divulgar as metas de BCfA;
- Elaboração de uma agenda objetiva e realista para ações comuns na direção das propostas do BCfA;
- Ampliar a cultura da proteção radiológica em todos nos níveis;
- Necessidade urgente de mudança de paradigma: justificação e otimização devem ser as prioridades;
- Maior aproximação entre as sociedades de profissionais envolvidas, tais como o Colégio Brasileiro de Radiologia (CBR), a Sociedade Brasileira de Radioterapia (SBR), a Sociedade Brasileira de Medicina Nuclear (SBBMN), Associação Brasileira de Física Médica (ABFM), a Sociedade Brasileira de Proteção Radiológica (SBPR) etc, para assumirem papel de liderança na divulgação das ações e, ainda, fornecerem apoio cientifico e conceitual para as agências reguladoras;
- Melhorar a comunicação entre os principais atores: reguladores, formadores de recursos humanos, médicos, físicos e outros profissionais de saúde;
- Incentivar o treinamento em radioproteção em escolas de medicina, veterinária e odontologia;
- Incentivar o treinamento em radioproteção de tecnólogos, técnicos em radiologia, enfermagem e farmácia;
- Estabelecer processos de certificação de profissionais e de cursos de treinamento, de forma a assegurar a formação do corpo técnico;
- Desenvolvimento de ferramentas e treinamento de profissionais para ampliação de informações que levem ao estabelecimento de DRL nacionais confiáveis;
- Amplificar a atenção na proteção radiológica de grupos críticos, como gestantes e pacientes pediátricos;
- Desenvolvimento de guias de execução de procedimentos de garantia da qualidade, além dos documentos regulatórios, consistentes com as práticas locais atuais, gerados em colaboração com profissionais de reconhecia experiência.
Concluindo, este texto tem como objetivo distribuir a visão coletiva dos autores resultantes da intensa semana de apresentação e discussões em Viena, em dezembro de 2017. Os autores pretendem, com ele, apoiar a ampliação do debate sobre o BCfA e propor uma agenda nacional viável para implementação organizada das ações, além de fortalecer as participações colaborativas. Entendemos que se devem apoiar as Boas Práticas e usa-las como exemplo para outras instituições.
Uma ação clara que está sendo planejada, com contribuição dos autores, é a realização do II Workshop sobre Justificação e Optimização das Exposições Médicas a Radiações Ionizantes para Países de Língua Portuguesa, que está sendo programado para ocorrer durante o Congresso Brasileiro de Radiologia de 2018, no Rio de Janeiro. Este evento será um seguimento do I Workshop, realizado em 2015 em Lisboa.
Este texto assume o reconhecimento pela responsabilidade que cada um de nós tem na preparação do futuro. Enfim, nossos estudantes ou residentes de hoje serão os responsáveis pela proteção radiológica e pela otimização das práticas utilizando radiações ionizantes na Medicina de amanhã, quando se supor que o BCfA estiver concretamente implementado. Por isso, o desenvolvimento de lideranças é essencial para podermos olhar para o futuro com otimismo. A ideia de construir pontes e não muros foi fortemente enfatizada durante a Conferência e é nosso entendimento que esta mensagem deva ser levada ao maior número de colegas possível para que se possa, efetivamente, cultivar a cultura de segurança no contexto nacional atual e futuro. É esta abordagem holística, da qual se falou muito durante a Conferência, que permitirá a construção de competências que levem à implementação das metas do BCfA em nosso país. Esperamos que a mensagem seja bem entendida por todos os atores deste cenário, em especial pelas agências reguladoras nacionais.
[1] Informações detalhadas, inclusive no idioma Português, podem ser encontradas em www.who.int/ionizing_radiation/medical_radiation_exposure/call-for-action e na plataforma https://www.iaea.org/resources/rpop/resources/bonn-call-for-action-platform
[2] Deve-se ressaltar que as ações não foram elencadas em ordem de importância.
[3] www-pub.iaea.org/iaeameetings/50820/International-Conference-on-Radiation-Protection-in-Medicine
[4] https://www.iaea.org/resources/rpop/resources/databases-and-learning-systems/safron
[5] http://www.who.int/en/
[6] https://www.iaea.org/sites/default/files/18/01/17-12-safron-update.pdf
[7] http://www.unscear.org/
[8] https://www.iaea.org/resources/rpop
[9] https://nucleus.iaea.org/isemir
[10] http://www.i-s-r.ca/
[11] https://rpop.iaea.org/safrad/
[12] International Basic Safety Standards, IAEA Safety Standards Series No. GSR Part 3, IAEA, Vienna (2014)
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