A ampliação do rastreamento, defendida por especialistas para incluir mulheres entre 40 e 74 anos, contribui para o diagnóstico precoce e aumenta as chances de cura.
Mais de 108 mil mulheres com menos de 50 anos foram diagnosticadas com câncer de mama no Brasil entre 2018 e 2023, segundo dados do Painel Oncologia Brasil, analisados pelo Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem (CBR). O levantamento reforça a importância de ampliar o rastreamento por mamografia para mulheres abaixo dos 50 anos acima dos 70 anos, faixas etárias que não estão incluídas na recomendação padrão de exames preventivos no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).
Atualmente, o Ministério da Saúde e o Instituto Nacional de Câncer (Inca) definiram políticas públicas onde se recomenda que apenas mulheres entre 50 e 69 anos realizem mamografias de rastreamento a cada dois anos, mesmo na ausência de sintomas. No entanto, essa recomendação vem sendo amplamente questionada, especialmente diante de dados estatísticos que mostram um número significativo de diagnósticos em mulheres fora dessa faixa etária.
O rastreamento precoce pode reduzir em até 30% a mortalidade por câncer de mama, afirmam os especialistas. Isso significa que metade das vidas perdidas para a doença poderia ser salva com um diagnóstico no momento certo, como destaca o presidente do CBR, Rubens Chojniak. “A mamografia é uma ferramenta poderosa. Quanto mais cedo encontramos um tumor maiores são as chances de tratamento e cura. Nosso papel, como representantes dos médicos radiologistas, é lutar pela garantia de que todas as mulheres tenham acesso a esse exame e, acima de tudo, compreendam sua importância”, afirma.
Dados de diagnóstico – As críticas estão baseadas na realidade epidemiológica do País. De acordo com os números oficiais, na faixa etária entre 40 e 49 anos foram registrados 71.204 casos de câncer de mama entre 2018 e 2023 (últimos dados disponíveis em série histórica nas bases oficiais), enquanto outras 19.576 mulheres receberam o diagnóstico entre 35 e 39 anos. Juntas, essas ocorrências representam 33% do total de casos diagnosticados no período. Ou seja, uma em cada três mulheres diagnosticadas estava fora da faixa etária atualmente recomendada pelos gestores do SUS para o rastreamento preventivo. Já entre as mulheres acima de 70 anos, foram identificados 53.240 casos.
A partir da análise global, fica mais evidente a distorção. Entre janeiro de 2018 e dezembro de 2023, o Brasil registrou mais de 319 mil diagnósticos de câncer de mama, sendo 157,4 mil em mulheres de 50 anos a 69 anos, faixa etária atualmente recomendada para o rastreamento. Esse número representa menos da metade do total dos diagnósticos, o que, na avaliação do CBR, reforça e justifica a necessidade urgente de uma revisão dos parâmetros adotados pelo Governo.
Embora essa faixa inclua a parcela principal da população-alvo das políticas públicas oficiais (de 50 anos a 69 anos), os dados mostram que outras 161,7 mil mulheres (abaixo dos 50 anos e acima dos 70 anos) receberam o diagnóstico dessa doença no País, muitas delas com dificuldade de acesso ao rastreamento regular na rede do SUS. Para o CBR, o maior impacto negativo desse cenário surge no atraso do diagnóstico, o que retarda o início do tratamento e, consequentemente, reduz as chances efetivas de cura.
Painel Oncologia – Outro ponto que chama a atenção dos especialistas é o crescimento do total de casos da doença no País. Em 2018, foram registrados 40.953 diagnósticos. Em 2023, esse número saltou para 65.283, representando um aumento de 59% em seis anos. Os números do Painel Oncologia Brasil detalham essa evolução, considerando o total de diagnósticos de câncer de mama por faixa etária, independentemente do método de detecção. Embora a mamografia seja o principal exame de rastreamento, outras técnicas, como ultrassonografia e biópsia, também podem ter sido utilizadas.
A análise por estados também reforça a necessidade de diretrizes que garantam acesso à mamografia para mulheres abaixo dos 50 anos em todas as regiões do Brasil. Nesse grupo, São Paulo lidera os diagnósticos em números absolutos, com 22.014 casos no período observado, seguido por Minas Gerais (11.941), Paraná (8.381), Rio Grande do Sul (8.334) e Bahia (7.309). Na faixa etária entre 50 e 69 anos, atualmente contemplada pelo rastreamento prioritário, São Paulo também apresenta o maior número de casos (36.452), seguido por Minas Gerais (18.489), Rio de Janeiro (13.658), Rio Grande do Sul (13.451) e Paraná (10.766).
Ivie Braga, coordenadora da Comissão Nacional de Mamografia, ressalta que, mesmo na faixa etária atualmente recomendada para rastreamento, é fundamental considerar a subnotificação de casos. “As diferenças regionais precisam ser levadas em conta, pois o acesso desigual pode aumentar o risco de diagnósticos tardios”, explica. Em estados menores, como Acre e Amapá, a baixa incidência pode indicar dificuldades de acesso ao exame, com necessidade de políticas públicas adaptadas às realidades locais.
Na avaliação dos casos entre as mulheres acima dos 70 anos, também fica evidente a prevalência da doença de forma consistente, o que reforça a necessidade de se oferecer ações de rastreamento para este grupo. São Paulo também lidera nessa faixa, com 12.868 casos, seguido por Minas Gerais (6.505) e Rio Grande do Sul (5.233). Na tabela extraída do Painel Oncologia Brasil estão disponíveis as informações absolutas dos 26 estados e do Distrito Federal, inclusive por faixa etária.
Óbitos – Para analisar os óbitos por câncer de mama, o CBR ampliou o levantamento para abranger a mortalidade pela doença em dez anos, retrocedendo até 2014. Os dados revelam que, em todo o Brasil, foram registradas 173.690 mortes por câncer de mama no período que se iniciou em janeiro daquele ano e foi até dezembro de 2023, com um aumento progressivo ao longo dos anos. O número de óbitos cresceu de 14.622, em 2014, para 20.165, em 2023, um aumento de 38% na década.
Embora tenha ocorrido redução nos óbitos entre 2020 e 2021, especialmente em algumas faixas etárias, os números voltaram a crescer em 2022 e 2023, possivelmente devido ao impacto da pandemia de covid-19, que prejudicou o acesso ao diagnóstico e tratamento adequados. A interrupção do rastreamento durante esse período gerou um efeito acumulado, contribuindo para o aumento da mortalidade.
Os dados mostram ainda que 38.793 mulheres com menos de 50 anos morreram de câncer de mama, o que corresponde a 22% do total de óbitos no período. Entre as mulheres acima de 70 anos, foram registradas 56.193 mortes (32% do total). Segundo Ivie Braga, esses números apontam para a necessidade de ampliar o rastreamento por mamografia. “Muitas mulheres fora da faixa etária recomendada para rastreamento estão morrendo por câncer de mama. Ampliar o acesso à mamografia é uma urgência na saúde pública do País”, destaca.
Para o Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem, a experiência de outros países comprova que expandir o rastreamento para a faixa etária entre 40 e 49 anos pode reduzir significativamente a mortalidade. Estudos como o Age Trial, no Reino Unido, demonstraram redução de 25% no risco de morte por câncer de mama entre mulheres rastreadas mais cedo.
“O câncer de mama em mulheres mais jovens costuma evoluir de forma mais rápida e agressiva, por isso, descobrir a doença logo no início faz toda a diferença. O diagnóstico precoce não só aumenta as chances de cura, como também evita tratamentos mais pesados e desgastantes”, explica Rubens Chojniak. Além disso, ressalta o presidente do CBR, no caso das mulheres idosas, há muitas com mais de 70 anos que estão ativas, trabalham e levam uma vida saudável. “Se elas tiverem acesso ao rastreamento, há uma chance muito maior de identificar a doença cedo e garantir um tratamento mais simples e eficaz”, completa.