22 de outubro de 2018 - Thiago Braga

Orientações para realização de exames de ressonância magnética em portadores de dispositivos eletrônicos cardíacos

Introdução

Estima-se que até 75% dos pacientes portadores de dispositivos cardíacos eletrônicos implantáveis (DCEI) terão indicação de realização de um exame de ressonância magnética (RM) ao longo da vida. Pelas características dos dispositivos estes foram excluídos historicamente do rol de pacientes considerados elegíveis ao exame.

O DCEI é composto por cabo-eletrodos e gerador. Cada cabo-eletrodo é um conector metálico multi filamentar espiral que liga o gerador ao músculo cardíaco. O gerador, por sua vez, é composto de bateria, circuitos e conector para os cabo-eletrodos. A função dos cabo-eletrodos é conduzir impulsos elétricos com energia mínima suficiente para iniciar um impulso elétrico cardíaco (onda p ou QRS). Outra função essencial dos cabo-eletrodos é transmitir informação elétrica adquirida no miocárdio (eletrograma intracavitário) até o gerador, ou seja, sentir o ritmo elétrico nativo do paciente, evitando estimulação desnecessária.

O gerador fica localizado geralmente em espaço infraclavicular direito ou esquerdo (ou menos frequentemente na região lateral do tórax ou abdome). Ele tem a função de interpretar os estímulos oriundos dos cabo-eletrodos, gerar impulso elétrico através de corrente elétrica entre o miocárdio e o gerador (utilizando os cabo-eletrodos como condutor). Neste residem a bateria necessária para o impulso (com durabilidade geralmente entre 7 e 15 anos) e circuitos programáveis que permitem frequência mínima, elevação de frequência dependente de movimento, integração entre cabo-eletrodos localizados em diversas câmaras cardíacas, entre outras. Em casos excepcionais, como em crianças, o gerador pode ser posicionado em abdome) e cabos-eletrodos (geralmente transvenosos, eventualmente epimiocárdicos). Sistemas sem cabos-eletrodos (gerador implantado diretamente dentro do coração – leadless pacemaker) ou sem cabos-eletrodos (CDI subcutâneo) estão disponíveis para uso em casos selecionados.

O campo magnético gerado pela RM pode ser interpretado pelo DCEI como sinal elétrico cardíaco anormal(QRS ou onda p) e criar interferência que cause um dos seguintes comportamentos:

  • Deflagrar estímulos cardíacos artificiais com frequência elevada
  • Inibição dos estímulos cardíacos
  • Dano aos cabo-eletrodos, gerador ou aquecimento do sistema
  • Modificação de parâmetros de estimulação forçada (reset)
  • Deflagração de choques inapropriados (quando se tratar do cardiodesfibrilador interno)

Apesar do receio inicial, movimentação do dispositivo e torção dos cabo-eletrodos não se mostrou evidente pela aderência dos tecidos ao subcutâneo.

O aquecimento do sistema, levando a dano dos componentes e lesão ao miocárdio em volta do cabo-eletrodo, foi comprovado para cabo-eletrodos não condicionais. Esse aquecimento pode levar a aumento do limiar necessário para estimulação miocárdica e desconforto do paciente

Todos os DCEI a serem submetidos a RM devem ser reprogramados antes e após o exame. Alguns dispositivos mais recentes apresentam a capacidade de detecção do campo magnético da RM quando ativados por um período pré determinado, que tornam a programação adequada quando o paciente se encontra dentro da sala do aparelho (zona 4). A maioria, no entanto, deve ser reprogramada para modo assíncrono ou modo adequado o mais tardiamente possível e retornar à programação original após o término do exame no menor espaço de tempo julgado adequado pelo médico responsável ao acompanhamento do paciente portador do DCEI. Essa orientação se fundamenta no risco potencial de estimulação assíncrona, competindo com o ritmo próprio do paciente e sendo potencialmente arritmogênica em marcapassos. Portadores de Cardiodesfibriladores não devem sair de ambiente supervisionado sem a adequada proteção das terapias antitaquicardia.

Definições de dispositivos

Marcapassos: dispositivo que tem função de estimulação e sensibilidade. O marcapasso permite garantir a frequência mínima estimulada do paciente. A programação é descrita por letras (ver tabela anexo 1)

Ressincronizadores: também chamados marcapasso ou estimuladores multissítio, são dispositivos que permitem estimulação simultânea de ventrículo esquerdo através de cabo-eletrodo posicionado em veia epicárdica tributária do seio coronariano venoso. Pode ou não estar associado a função desfibriladora, e em caso positivo é chamado desfibrilador multissítio. Os portadores de ressincronizadores cardíacos tem doença cardíaca estrutural importante e fração de ejeção de ventrículo esquerdo comprometida (geralmente inferior a 35%). O cabo-eletrodo de VE é posicionado em veia epicárdica tributária do seio coronariano venoso. Eventualmente o cabo-eletrodo do VE pode ser implantado por acesso epimiocárdico.

Cardiodesfibriladores (CDI): DCEI com função de estimulação idêntica ao marcapasso. Também possui capacitor que permite ao dispositivo liberação de choques com energia alta. A função destes é controlar taquicardias ventriculares ou fibrilação ventricular e geralmente estão implantados em pacientes com graus diferentes de disfunção ventricular ou em risco maior de parada cardiorrespiratória.

Monitores de eventos: Dispositivos entre 3 e 6 cm, posicionados no tórax anterior, subcutâneos. Sua função é monitoramento prolongado de arritmias cardíacas. Todos os monitores de eventos disponíveis atualmente são compatíveis com RM. Recomenda-se, a critério do medico, a avaliação dos dados antes do exame, pelo risco de perda das informações coletadas até o momento ou mesmo a supressão delas pela aquisição dos artefatos do campo magnético.

Dispositivos condicionais: São DCEI aos quais a exposição ao campo magnético não apresenta risco ao paciente. Estes são DCEI que contenham apenas cabo-eletrodos descritos pelo fabricante como condicionais, conectados a geradores descritos pelo fabricante como condicionais, e que não preencham os critérios de exclusão. Os cabo-eletrodos e geradores devem ser do mesmo fabricante. A utilização de cabo-eletrodos e geradores de fabricantes diferentes pode não ter a garantia em caso de dano ao sistema.

Dispositivos não condicionais: dispositivos que não foram testados de forma ampla e/ou que não tem a garantia do fabricante contra danos potenciais causados pelo ambiente da RM.

Parâmetros mínimos de segurança

Os parâmetros mínimos de segurança para portadores de DCEI na sala de RM são:

  1. Monitorização de ritmo cardíaco (preferencialmente ECG) e saturação em tempo real durante todo o exame;
  2. Presença de médico e equipe aptos a atendimento de parada cardio respiratória (PCR) na seção de radiologia (imediatamente fora da Zona 4 , também conhecida como sala de RM);
  3. Disponibilidade de material para atendimento de PCR imediatamente fora da zona 4 de acordo com as diretrizes vigentes de ACLS;
  4. Sugere-se realização destes procedimentos em âmbito hospitalar ou clinica que possua os parâmetros 1, 2 e 3 e capacidade de remoção do paciente com segurança para unidade de terapia intensiva em caso de necessidade;
  5. Dispor de protocolo operacional padrão institucional de fácil acesso a todos os membros do laboratório.

 

Orientações específicas para os diferentes dispositivos:

Estimuladores condicionais

Os dispositivos implantáveis condicionais chegaram ao Brasil em 2012. Os fabricantes desenvolveram cabo-eletrodos e geradores que permitem realização de exames de ressonância magnética inicialmente com zona de exclusão (evitando tórax, região cervical e abdome superior), sendo posteriormente autorizados para todo o corpo. Outros modelos se desenvolveram com tecnologias semelhantes.

A carteira do portador do marcapasso contém o modelo dos cabo-eletrodos e do gerador do paciente com como informações sobre compatibilidade com ressonância. lista completa de cabo-eletrodos e geradores condicionais esta disponível atualizada no site da ABEC (https://abecdeca.org.br/medico)

Os DCEI precisam, no entanto, ser reprogramados previamente à exposição ao campo magnético. O objetivo dessa reprogramação é tornar o DCEI indiferente ao campo magnético (modo assíncrono) e realizar outras modificações, como elevação da energia de estimulação. A reprogramação também deve avaliar limiares de comando e carga restante da bateria, para aferir a segurança da exposição do paciente ao campo magnético. Idealmente a bateria não deveria ter menos de 30% da carga e os limiares de comando não devem ser elevados previamente ao exame, apesar de não serem contraindicações absolutas ao procedimento.

Os parâmetros de 1,5T, gradiente slew rate < ou = a 200T/m/s e SAR máximo < ou = a 2W/kg permitem segurança em todos os dispositivos condicionais independente da região de interesse. Alguns dispositivos já permitem 3T, e isso pode ser verificado caso seja do interesse do paciente e do médico responsável pela aquisição das imagens.

Cardiodesfibriladores condicionais

Os Cardiodesfibriladores condicionais também demonstram segurança comprovada à exposição do paciente ao ambiente magnético. E também necessitam reprogramação prévia ao exame e retorno aos parâmetros originais após o termino do mesmo. Além da indiferença ao campo magnético (modo assíncrono) a reprogramação visa inibir a detecção inapropriada do mesmo e sua interpretação como taquicardia ventricular ou arritmia ventricular.

Isso remove a proteção antitaquicardia inerente ao dispositivo durante a programação especifica para ressonância. A inibição da detecção de taquicardias impede que o paciente receba choques durante o exame.

Assim, neste contexto, se o paciente apresentar espontaneamente taquicardia ventricular sustentada, o tratamento deverá ser idêntico ao de pacientes que não possuem CDI, de acordo com as diretrizes vigentes do ACLS.

Dispositivos não condicionais

Existe ampla literatura sobre séries de casos de portadores de DCEI não condicionais que foram submetidos a RM sem eventos adversos. Diversos estudos estão em andamento para validar o uso de RM nestes dispositivos como rotina.

Sempre que a RM for método diagnóstico essencial não substituível ou necessária em caráter emergencial, a realização do exame não deve ser evitada pela presença do DCEI. Idealmente ela deveria ser realizada em ambiente que atenda as condições mínimas sugeridas neste documento. A maioria dos dispositivos submetidos a RMN com 1,5 T toleraram o procedimento, bem como exames com duração inferior a 40 minutos. Apesar da ausência de estudos randomizados, sugerimos manutenção de parâmetros de segurança com exames de curta duração e campo igual ou inferior a 1,5T.

A reprogramação da funcionalidade do DCEI não condicional para os parâmetros “compatíveis com a ressonância” pode ser realizada em qualquer DCEI, ainda que o fabricante não garanta a segurança dos componentes em caso de danos, tais como: redução ou supressão da estimulação cardíaca, mudança súbita de modo, aquecimento dos circuitos e cabo-eletrodos, além de falha na captura durante o procedimento ou tardiamente.

Em caso de necessidade de realização de RM em DCEI não condicional sugerimos presença de médico apto a avaliação do funcionamento e reprogramação do dispositivo no ambiente da radiologia, com reavaliação da funcionalidade do DCEI ao término do procedimento, pelo mesmo e antes da alta do ambiente supervisionado. Também deve ser prevista a necessidade de estimulação cardíaca temporária, em caso de disfunção do dispositivo.

Critérios de exclusão:

Os critérios de exclusão devem ser considerados e discutidos com o médico assistente. Em caso de pacientes com necessidade absoluta do exame na vigência de critérios de exclusão, o risco de eventos potencialmente fatais deve ser discutido com o médico assistente e paciente. O DCEI deve ser considerado não condicional e tratado como tal (vide a descrição acima na categoria de dispositivos não condicionais):

  • Presença de cabo-eletrodos abandonados ou não condicionais
  • Presença de cabo-eletrodos epicárdicos
  • Implante há menos de 6 semanas
  • Implantes não torácicos;
  • Crianças;

Anexos:

  • Tabela de modos de programação
  • Checklist para realização de RMN

Anexo 1

CAMARA ESTIMULADA CAMARA SENTIDA RESPOSTA AO EVENTO SENTIDO FREQUENCIA ADAPTATIVA
O = NENHUMA O = NENHUMA O = NENHUMA R= RESPOSTA DE FREQUENCIA LIGADO
A = ATRIO A = ATRIO I= INIBIDO
V = VENTRICULO V = VENTRICULO T = DEFLAGRADO
D = ATRIO E VENTRICULO D = ATRIO E VENTRICULO D = AS DUAS

Anexo 2

Checklist:

Antes do exame:

  • Autorização do médico estimulista informando – necessária checagem da equipe responsável pela RM:
  • Se o dispositivo é condicional
  • Se está com função auto detect ou similares programada
  • Se a programação será feita por membro de sua equipe por membro do serviço de radiologia imediatamente antes da RM e após o término do exame.
  • Se o paciente está apto a realizar o procedimento sem necessidade de reprogramação
  • (Caso atenda os protocolos institucionais)
  • Checar se existe profissional disponível no local para reprogramação, quando necessário (Não condicionais ou não programados)
  • Checar se existe equipe apta a atendimento de PCR
  • Checar se existe material disponível para atendimento de PCR

Durante o exame:

  • Checar se existe monitorização de ritmo e saturação eficazes

Após o exame:

  • Checar sinais vitais do paciente
  • Checar se o dispositivo foi reprogramado com o aval do médico responsável pelo procedimento
  • Confirmar com médico responsável a segurança da alta do paciente.

Literatura adicional sugerida:

  • Indik JH, Gimbel JR, Abe H, 2017 et al HRS expert consensus statement on magnetic resonance imaging and radiation exposure in patients with cardiovascular implantable electronic devices Heart Rhythm, Vol 14, No 7, July 2017
  • https://www.mayoclinic.org/medical-professionals/clinical-updates/cardiovascular/new-protocols-allow-mri-selected-pacemaker-patients visitado pela última vez em 19/08/2018
  • Mattei E, Gentili G, Censi F, et al. Impact of capped and uncapped abandoned leads on the heating of an MR-conditional pacemaker implant. Magn Reson Med 2015;73(1):390–400. 78.
  • Boilson BA, Wokhlu A, Acker NG, et al. Safety of magnetic resonance imaging in patients with permanent pacemakers: a collaborative clinical approach. J Interv Card Electrophysiol 2012;33(1):59–67
  • Burke PT, Ghanbari H, Alexander PB, et al. A protocol for patients with cardiovascular implantable devices undergoing magnetic resonance imaging (MRI): should defibrillation threshold testing be performed post-(MRI). J Interv Card Electrophysiol 2010;28(1):59–66

 

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