Nestes tempos em que a tecnologia avança a passos largos, surge o questionamento da substituição do trabalho médico por meio da inteligência artificial. Será esta a nossa maior ameaça ou bem antes precisamos de discutir vários outros assuntos muito mais próximos?
A telerradiologia, cuja normatização foi realizada pelo CFM por meio da Resolução 1890/2009 e depois revista por meio da Resolução CFM 2107/2014, estabeleceu normas nas quais ressaltamos os principais pontos:
Dados clínicos – A transmissão dos exames por telerradiologia deverá ser acompanhada dos dados clínicos necessários do paciente, colhidos pelo médico solicitante, para a elaboração do relatório.
Autorização do paciente – O paciente deverá autorizar a transmissão das suas imagens e dados por meio de consentimento informado, livre e esclarecido.
Especialista local e a distância – A responsabilidade pela transmissão de exames e relatórios a distância será assumida obrigatoriamente por médico especialista em Radiologia e Diagnóstico por Imagem e com o respectivo registro no CRM.
Áreas de atuação delimitadas I – Portadores de Certificados de Atuação em Mamografia e Densitometria óssea só poderão assumir a responsabilidade pela transmissão de exames e emitir relatório na respectiva área.
Áreas de atuação delimitadas II – Para atividades específicas e únicas em medicina nuclear, o responsável deverá ser médico portador de título de especialista em Medicina Nuclear, devidamente registrado no Conselho Regional de Medicina e autorizado pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN).
Áreas de atuação delimitadas III – Para os casos de exames de imagem híbridos (radiologia e medicina nuclear), o laudo deve ser emitido por especialistas das duas áreas.
Limites para a prática à distância I – É vedada a utilização de telerradiologia para procedimentos intervencionistas em radiologia e diagnóstico por imagem e exames ultrassonográficos.
Limites para a prática à distância II – Em caso de Radiologia Geral não contrastada, por exemplo, radiografias de tórax, extremidades, colunas, crânio, entre outros, inclusive mamografia e, em caso de emergência, quando não existir médico especialista no estabelecimento de saúde, o médico responsável pelo paciente poderá solicitar ao médico especialista o devido suporte diagnóstico a distância.
Especialista exigido – Deve haver, obrigatoriamente, um médico especialista local nos serviços nos quais são realizados exames de Radiologia especializada ou contrastada, e também naqueles onde são realizados exames de tomografia computadorizada, Ressonância Magnética e Medicina Nuclear.
Responsabilidade partilhada – A responsabilidade profissional do atendimento cabe ao médico especialista assistente do paciente que realizou o exame. O médico especialista que emitiu o relatório à distância é solidário nesta responsabilidade.
Sede em território brasileiro – As pessoas jurídicas que prestarem serviços em Telerradiologia deverão ter sede em território brasileiro e estar inscritas no CRM de sua jurisdição. No caso do prestador ser pessoa física, este deverá ser médico portador de título de especialista (Radiologia e Diagnóstico por Imagem) ou certificado de área de atuação (Mamografia ou Densitometria óssea, ressalvados os limites impostos na resolução).
Normas operacionais – A Resolução traz um anexo com as normas operacionais e requisitos mínimos para a transmissão e manuseio dos exames e laudos radiológicos.
Compressão e transmissão das imagens – Os protocolos de comunicação, formato dos arquivos e algoritmos de compressão deverão estar de acordo com o padrão atual DICOM e HL7. A avaliação da taxa de compressão é de responsabilidade do médico radiologista com registro no CRM.
Visualização e processamento das imagens – É de responsabilidade do médico especialista em Radiologia e Diagnóstico por Imagem (ou com certificado em Mamografia ou Densitometria Óssea) garantir as características técnicas das estações remotas de trabalho, monitores e condições ergonômicas que não comprometam o diagnóstico.
Segurança e privacidade – Os sistemas informatizados utilizados para transmissão e manuseio dos dados clínicos, dos laudos radiológicos, bem como para compartilhamento de imagens e informações, devem obedecer às normativas do CFM. Especificamente para telerradiologia, os sistemas devem atender aos requisitos obrigatórios do “Nível de Garantia de Segurança 2 (NGS2)”, estabelecida no Manual de Certificação para Sistemas de Registro Eletrônico em Saúde vigente, editado pelo CFM e Sociedade Brasileira de Informática em Saúde (SBIS).
Pois bem, estamos em 2018 e a telerradiologia cuja Resolução coloca no inicio de sua redação:
“Art. 1º – Definir a Telerradiologia como o exercício da Medicina, onde o fator crítico é a distância, utilizando as tecnologias de informação e de comunicação para o envio de dados e imagens radiológicas com o propósito de emissão de relatório, como suporte às atividades desenvolvidas localmente.”
Começa a ser desvirtuada de seu objetivo principal que seria dar suporte diagnóstico a determinado local onde tal análise não seria possível, seja por ausência do especialista no local, seja para suporte ao mesmo, nas áreas do radiodiagnóstico que ele não domina.
Em todo o Brasil, o CBR e as suas filiadas têm recebido denúncias de desligamentos de médicos especialistas em Radiologia e Diagnóstico por Imagem, seja pertencentes a Clínicas e/ou Hospitais, pois seus dirigentes passaram a enviar imagens de RNM e TC para outros locais por meio da telerradiologia.
Alguns poucos profissionais são mantidos para acompanhar exames contrastados e realizar Ultrassonografia. Diante desta triste realidade, o mais prejudicado e o paciente que passa a ser analisado de forma fragmentada, por meio de suas imagens, imagens estas totalmente distantes de um contexto clínico que poderia ser conjuntamente analisado entre o médico radiologista do Hospital ou Clinica e o médico assistente do referido paciente.
A Telerradiologia passou a ser o grande filão para aumentar o lucro das empresas em um cenário de completa desvalorização da remuneração da imagem, seja pelas Operadoras, seja pelo Sistema Único de Saúde.
Fica a pergunta: até onde temos responsabilidade sobre isso? O pagamento por procedimento, o Fee for Service, contribuiu para que o radiologista buscasse volume de exames.
A questão é que para as Operadoras o volume passou a ser interpretado como trabalho sem esforço e sua valoração passou a ser cada vez menor. E assim se fez uma bola de neve. Cada vez mais volume, mais trabalho e menor valor, com pouco tempo para laudar, restou pouco tempo para conversar sobre o paciente, principalmente com o médico assistente. Tomamos distância da linha do cuidado, nos perdemos atrás das telas das workstations e, então, não fomos mais vistos.
Quantas vezes passamos a ouvir críticas dos nossos colegas de outras especialidades que diziam ter feito ou acompanhado exames, mas o radiologista não foi visto. Chegamos a ouvir uma aberração das Operadoras e mesmo de outros colegas que exames de Radiologia convencional, Mamografia, TC e RNM não eram exames MÉDICO DEPENDENTES.
Daí a tentativa de dividir os médicos ultrassonografistas dos outros médicos que realizavam outros procedimentos da imagem diagnóstica. Tentaram dividir para que a Imagem perdesse força na busca de sua valorização e assim veio a CBHPM, e nós, pertencentes ao SADT, nos transformamos em um anexo. Tudo tinha prioridade de negociação e o SADT, se possível, seria negociado depois. Nas reuniões da ANS chegamos a ser denominados, recentemente, de médicos passivos, quer dizer, que apenas teriam que realizar o que era demandado. Chegou-se ao absurdo de ser proposta a separação do SAD do T. Colegas de outras especialidades nos denominam de médicos da medicina de escala.
Diante de todo este cenário, veio a Telerradiologia, para selar de vez o exercício profissional daquele que não aparece. A ausência da presença passou a ser substituída pelo mundo virtual.
Os colegas então perguntam: o que fazer? E a resposta talvez seja retomar tudo aquilo que perdemos.
Prioritariamente, a união. Se aceitarmos a submissão, não conseguiremos êxito. Essa união também significa o associativismo e o apoio às entidades médicas que nos representam, pois sozinhas elas não conseguem agir!
Precisamos, concomitantemente, nos aproximar do paciente e de seu médico assistente. O radiologista precisa estar novamente inserido na linha do cuidado, entrando em contato com o paciente e também com o responsável pela assistência do mesmo. Precisamos mostrar que podemos contribuir e muito!
Precisamos dar valor ao nosso trabalho, lutar por remuneração digna e denunciar aqueles que nos tiram o nosso trabalho por meio da telerradiologia. Ora, praticar concorrência desleal é proibido pelo código de ética médica (Artigo 51 da Res. CFM 1931/2009).
E a Inteligência Artificial, vai substituir nosso trabalho? a resposta é análoga: precisamos utilizar a Inteligência Artificial a nosso favor e empregá-la da melhor forma para auxiliar na condução clínica do paciente.
Precisamos retomar o caminho em que nos perdemos, mas ninguém poderá fazer isso além de nós.
Dra. Cibele Alves de Carvalho
Diretora de Defesa Profissional do CBR