O presidente, Valdair Muglia, e diretores do Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem (CBR) se reuniram de forma online, na noite de terça-feira (14/06), para discutir “Estratégias para gerenciar a escassez dos meios de contraste na Radiologia”. O webinar apresentou dados sobre o cenário internacional atual, causado principalmente pelo agravamento da pandemia de Covid-19 na China, alternativas e estratégias de gerenciamento do uso de contraste, com palestra de Guilherme Hohgraefe Neto, especialista em Radiologia e Diagnóstico por Imagem pelo CBR e AMB, membro titular do CBR e da Comissão de Acreditação em Diagnóstico por Imagem (Cadi) do Colégio (confira destaques abaixo).
O problema tem crescido por todo o mundo nos últimos meses. Preocupado com a situação no país, o CBR consultou radiologistas e empresas, emitiu nota sobre a questão em maio e traz esclarecimentos e alternativas por meio do webinar, que fica disponível no canal oficial do CBR no Youtube e no vídeo abaixo. “Não podemos abrir mão da qualidade, de procurar soluções preservando a qualidade”, destacou Valdair Muglia.
A diretora científica do Colégio, Luciana Costa, declarou que “é um problema mundial hoje e o CBR, como representante da especialidade no país, vem trazer essa discussão tão importante neste momento”. Ela citou dados de um levantamento preliminar feito com radiologistas de todo o Brasil sobre o problema:
– 60,95% dizem que têm sofrido com a escassez de meios de contraste;
– 21,90% declaram que são afetados parcialmente;
– 17,14% declararam que não têm sido afetados.
Além disso, 46,94% disseram que são afetados pela falta tanto de contraste quanto de gadolínio; 26,53% afirmaram que o problema maior é a escassez de contraste iodado, 8,16% mencionaram o gadolínio e 18,37% declararam que não têm sido afetados pelo problema.
Para Luciana Costa, “é uma oportunidade de revermos a literatura, revermos o que é possível ser feito de melhor para o paciente no sentido de que a literatura já nos permite ter uma redução de contraste, obviamente sem ter uma redução de diagnóstico”. A vice-presidente do CBR, Cibele Carvalho, foi no mesmo tom: “Cada vez mais, quando a gente passa pelas adversidades, é momento de aprender. É oportunidade de rever doses de contraste e doses de radiação para os nossos pacientes”.
Adonis Manzella, coordenadora do curso de Assistência à Vida em Radiologia (AVR) do CBR, disse que reduzir doses de contraste é um tema que tem sido colocado em pauta desde antes do atual momento. “Já é uma coisa que a gente vem defendendo há muitos anos. O ideal é sempre utilizar a menor dose possível para o diagnóstico. O que não significa dar subdose. A gente tem que procurar reduzir radiação e doses de contraste”.
Protagonismo do radiologista
Os diretores do CBR fizeram questão de ressaltar o protagonismo do radiologista, ainda maior diante do cenário de escassez de meios de contraste. “A questão da indicação, posologia e prescrição do exame de contraste é, segundo parecer do CFM (17/2019), atributo do médico radiologista. Isso tem que ficar claro porque nessas situações podem ocorrer ingerências ou tentativas de ingerência”, ressaltou Valdair Muglia. Cibele Carvalho emendou: “A gente está aprendendo a importância do médico radiologista à frente do paciente para fazer o melhor pelo paciente, independente do que o médico solicitante ache que possa ser o melhor. Temos que assumir essa liderança e temos o respaldo de parecer do CFM para isso”.
A diretora de Defesa Profissional do Colégio, Juliana Tapajós, destacou ainda que “inclusive, quando há divergência com o médico solicitante, a palavra final é do médico radiologista”. Ela reforçou: “Que fique bem claro: não existe nenhuma infração ética nessa questão. Quando o médico radiologista avaliar que pode realizar o exame sem contraste, ele está no pleno exercício da sua função. Mas é importante que as razões, técnicas ou científicas, fiquem registradas no prontuário ou no relatório do paciente”.
Gestão
O diretor da Associação Brasileira das Clínicas de Diagnóstico por Imagem (ABCDI), Luís Ronan Souza, destacou a importância de uma gestão eficiente dos materiais. “É um exercício para os gestores. A questão da falta de contraste trouxe o radiologista para um protagonismo, como uma pessoa decisória para a gestão, como líder de uma equipe multidisciplinar. É dele a decisão de radiação, de identificar às vezes um paciente que não precisa repetir etc. E na clínica não é diferente: os gestores têm a necessidade de ver a questão dos estoques, que geralmente eram pequenos, para evitar um custo acumulado, e agora está se revendo essa questão dos processos, dos transportes”. De acordo com ele, o tema será abordado em cursos que serão oferecidos pela ABCDI.
Ronan também pediu união dos estabelecimentos do setor diante do cenário desafiador referente aos meios de contraste. “É preciso parar de tratar os concorrentes como inimigos. Aqui na minha cidade, uma cidade pequena (em MG), a gente acabou pegando contraste emprestado, emprestou contraste para o colega, para que o serviço se mantenha, que os hospitais continuem funcionando. O problema muitas vezes não é o concorrente, é com quem você está negociando, os planos de saúde, entre outros”.
O webinar contou ainda com participação de Paulo Araripe, gerente nacional de Vendas da Bayer, e Fernando Poralla, diretor médico e de Assuntos Regulatórios para a Bracco América Latina, que falaram sobre estratégias das empresas para manter o atendimento aos clientes.
Estratégias para gerenciar a escassez dos meios de contraste
Na palestra sobre “Estratégias para gerenciar a escassez dos meios de contraste na Radiologia”, Guilherme Hohgraefe Neto apresentou dados que mostram que a produção de iodo no mundo tem se mantido estável, mas nos últimos meses houve um grande aumento da demanda pelo produto, tanto que o preço aumentou em torno de 40% a 50% no primeiro trimestre deste ano com relação ao mesmo período de 2021. “A situação que, de fato, gerou o problema foi a pandemia de coronavírus, principalmente na China, com um lockdown decretado em março que afetou 26 milhões em Shangai e 22 milhões em Pequim.”
“Por consequência disso, a fábrica de uma das grandes produtoras de contraste no mundo, que é a fábrica da GE localizada em Shangai, ficou fechada durante todo o mês de abril, reabriu em maio com uma produção muito pequena, em torno de 20% da capacidade. No início de junho, a gente teve a notícia de que a fábrica retoma as atividades com 100% da capacidade”. Mas o problema deve continuar ainda por período indeterminado. “A gente tem uma expectativa de que a retomada das atividades da GE [em Shangai] e o reabastecimento do mercado não sejam tão rápidas assim, porque essas questões de lockdown na China impactam muito no sistema de logística no mundo”, afirmou Guilherme Hohgraefe Neto.
“Por conta disso, a gente pensou em propor que nossos colegas pensem em algumas etapas no processo do serviço de radiologia, focando também naquilo que tem sido trazido pela literatura, para tentar diminuir o impacto”, emendou.
Foram cinco pontos abordados durante a palestra: Indicação de Exame, Estoque e Agendamento, Equipamento e Protocolo de Exame, Volume de Contraste e Métodos Alternativos.
1. INDICAÇÃO DE EXAME
O palestrante apresentou dados de um hospital que apontam para um aumento de 100% no número de exames de emergência com emprego de contraste iodado endovenoso em dezembro de 2021 com relação ao mesmo mês de 2017. “Não é uma exclusividade do hospital, isso acontece no mundo inteiro.”
Ele citou trabalho publicado em maio por um conglomerado de hospitais da Austrália que atende cerca de 3 milhões de pessoas no qual há propostas relacionadas à indicação de exames e como manejar uma redução de contraste. Entre elas estão:
– Avaliação de neurologista vascular (stroke neurologist) para todos os protocolos de AVC (perfusão cerebral, angiotomografia e tomografia cerebral)
– Avaliação cirúrgica ou de médico de emergência antes da realização de tomografia abdominal contrastada
– Tomografias contrastadas solicitadas no departamento de emergência aprovadas pelo médico de emergência
– Todos os pedidos de tomografia computadorizada necessitam de aprovação/triagem do radiologista ou secretário de radiologia
– Angiotomografia de tórax conforme probabilidade pré-teste, raio-x de tórax e d-dímeros
“Com essas medidas, o hospital relata que, em 72 horas, conseguiram reduzir em cerca de 80% o consumo de contraste. A dúvida que fica é se vão conseguir manter isso no médio e longo prazo”, declarou. “Cabe a nós, radiologistas, saber quais exames demandam de fato contraste.”
Guilherme Hohgraefe Neto citou exames que demandam, de fato, contraste na emergência e urgência, como nos casos de: hemorragia ativa; politrauma; dissecção vascular, aneurisma roto ou com risco de ruptura; tromboembolismo pulmonar com instabilidade hemodinâmica; diagnóstico e estadiamento de câncer; procedimentos intervencionistas oncológicos; obstrução da via biliar e da via urinária; e tratamento endovascular de aneurisma cerebral, entre outros.
“Mas que a gente tenha também a clareza de que existem muitas condições clínicas que, de fato, não precisam do uso de contraste na emergência, nos quais os critérios de adequação do Colégio Americano de Radiologia (ACR) dizem que geralmente a investigação com exame não contrastado é adequada”, continuou. Entre os exemplos, foram citados: dor no flanco de início agudo, suspeita de urolitíase; dor abdominal aguda não localizada; ou doença respiratória aguda em pacientes imunocompetentes com exame físico positivo, sinais vitais anormais, doença cerebral orgânica, ou outro fator de risco.
Também foram apresentadas indicações de oportunidades de melhoria apontadas pela Comissão de Acreditação em Diagnóstico por Imagem (Cadi), do CBR, como:
– Alertas em sistema de prescrição de exames em prontuários eletrônicos
– Ampliação da comunicação entre radiologistas e prescritores
– Evitar repetir exames na eventualidade de atendimento em instituições distintas
2. ESTOQUE E AGENDAMENTO
“Em relação às questões de estoque e agendamento, a gente precisa ter, num cenário de racionamento, a ideia de qual é o nosso consumo básico para os exames mais importantes e mais urgentes. Daí para a frente, a gente pode começar a pensar em exames eletivos”, afirmou o palestrante.
“Resolvida a questão dos exames da emergência, é importante que a gente tenha uma gestão da nossa agenda, dos nossos agendamentos de exames. Valem várias estratégias. Uma sugestão é pedir, na hora do agendamento dos pacientes, o peso, porque isso pode, dependendo da forma como a clínica trabalhar, nos quantificar quanto de contraste a gente vai precisar usar para a próxima agenda”, continuou.
Outra sugestão é tentar antecipar o atendimento de pacientes em caso de sobras no dia, para diminuir o desperdício. “Não adianta a gente a gente reduzir o volume do contraste por exame e no final da agenda ter lá 100ml que vão ser jogados fora. Então, a gestão de agenda é super importante para a gente reduzir o volume de contraste”.
3. EQUIPAMENTO E PROTOCOLO DE EXAME
Sobre o tema, Guilherme Hohgraefe Neto exemplificou: “A gente sabe que alguns serviços de imagem fazem o exame de tomografia computadorizada para a investigação de tromboembolismo pulmonar selecionando uma janela de investigação, uma janela de escaneamento, que inclui o tronco da artéria pulmonar e os ramos principais da artéria pulmonar. Isso diminui o tempo de scan do exame e, por consequência, reduz o volume do contraste necessário para fazer o exame de tromboembolismo. Se esse mesmo paciente fizesse o exame de todo o tórax, no momento da ingestão do contraste, a gente percebe que seria necessário um volume maior, cerca de 30% de contraste a mais, para uma informação que talvez não vá ser relevante neste caso”.
O médico radiologista defendeu que “embora não seja um recurso que esteja amplamente disponível no Brasil, trabalhar com máquinas que conseguem fazer o escaneamento com técnicas de baixa quilovoltagem pode permitir reduzir o volume de contraste, porque a radiação vai trabalhar numa intensidade onde o iodo tem a maior atenuação possível e, por conta disso, o volume de contraste pode ser reduzido”. Outras recomendações são:
– Se possível, preferir técnicas de bolus tracking
– Contraste oral apenas em casos selecionados
– Flush de soro fisiológico
– Em hemodinâmica e bloco cirúrgico, fazer a abertura gradual dos frascos de contraste
Os protocolos recomendados estão disponíveis no site do Programa de Acreditação em Diagnóstico por Imagem (Padi), do CBR.
4. VOLUME DE CONTRASTE
Na palestra promovida pelo CBR, Guilherme Hohgraefe Neto também citou trabalho publicado em maio pela Universidade de Yale (EUA) que propõe, de acordo com o tipo de equipamento, uma redução fixa no volume de contraste, com exemplos como tomografia de tórax, abdome e pelve, paciente abaixo de 113 quilos, baixando de 80ml para 75ml de contraste; enterografia, de 100ml para 75ml; e protocolo de doador de fígado, de 150ml para 100ml, entre outros.
Outra recomendação é adaptar o volume de contraste à necessidade do paciente. Ele ressaltou ainda que “em relação ao aproveitamento de contraste não utilizado, recomenda-se nunca violar as boas práticas assistenciais e revisar com o fabricante questões como armazenamento adequado, tempo de uso desde a abertura do frasco, sistemas antirrefluxo etc.”.
5. MÉTODOS ALTERNATIVOS
Como métodos alternativos, foram apontados:
– Ressonância Magnética
Pode substituir grande parte dos exames neurológicos, abdominais e pélvicos
Maior custo por procedimento
Alguns pacientes possuem contraindicação
Aumento de demanda pode aumentar riscos
– Ultrassonografia
Avaliação das vias biliares e urinárias, parede abdominal, trombose venosa e embolia arterial
– Ultrassonografia com contraste
Caracterização de lesões hepáticas (CEUS LI-RADS v2017) e renais
Medicina Nuclear
– Estadiamento de algumas neoplasias, sangramento intestinal e tromboembolismo pulmonar
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Gadolínio
O palestrante, Guilherme Hohgraefe Neto, se manifestou contra a utilização de gadolínio como alternativa ao iodo. “A gente sabe que gadolínio, no Brasil, a gente tem todos os tipos de quelante, inclusive os de baixa estabilidade, que foram associados ao desenvolvimento de fibrose sistêmica nefrogênica de forma mais consistente que os meios de contraste à base de gadolínio de alta estabilidade”, afirmou.
Além disso: “em pacientes com IRC, dobrar a dose de gadolínio aumenta em 12 vezes a razão de chances do desenvolvimento de fibrose sistêmica nefrogênica”. Ele avalia que o gadolínio não deve ser uma alternativa para a tomografia computadorizada. “Se o paciente tiver que usar gadolínio, que seja dentro da ressonância magnética, onde a gente consegue usar doses adequadas para este exame sem colocar o paciente em risco adicional de uma outra doença ou de uma doença.”
Assista ao webinar do CBR sobre “Estratégias para gerenciar a escassez de meios de contraste na Radiologia”:
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