Existem rejeições ao uso de portar, o que é oportuno conhecer. Portar é um galicismo no sentido de carregar, trazer consigo (L. Victoria, Dicionário de Dificuldades, Erros e Definições de Português, 1956). Em lugar de “Portava seus documentos no bolso”, mais apurado seria dizer: Trazia seus documentos no bolso.
O verbo portar, no sentido de carregar, “foi inventado por algum redator de fatos policiais, com o significado exclusivo de carregar arma (o policial portava um revólver Colt). Já agora os abusados de todos os tempos se puseram a empregá-lo com o sentido de carregar seja o que for. Esse procedimento demonstra, apenas, o desconhecimento por aquele que assim age, pois está a provar que supõe ser ele um verbo de sentido geral, quando, na realidade, foi criado (tirado do francês) com o sentido exclusivo de carregar arma” (Victoria, s. d.). A construção portar-se bem (ou mal) foi considerada galicismo pelos puristas que sugeriram, em seu lugar, ter bom (ou mal) procedimento (Houaiss, 2001).
Para C. Góes, esse sentido é lídimo vernáculo (Góes, Diccionario de Gallicismos, 1920). Do latim portare, transportar, levar, trazer, nos ombros de pessoas, em animais, em veículos, navios, etc. (A. Ferreira, Dic. Latim-Português, 1996). Em português, tem este mesmo sentido próprio, ou seja, como primeiro significado, consoante se verifica nos dicionários.
O mesmo evento ocorre em relação ao nome portador, como adjetivo ou substantivo. Em sentido exato, é um adjetivo. Significa relativo àquele que leva ou traz algo na acepção de transportar, carregar consigo; Como substantivo, indica que ou quem carrega a bagagem; carregador; que ou quem leva algo a alguém, a mando ou pedido de outra pessoa (Dic. Universal da Língua Port., 1999; Houaiss, 2009; A. Moreno, Dic. Complementar da Língua Port., 1996). Por exemplo, bacilífero ou bacterióforo significa que traz bacilos, o que responde à expressão afrancesada “portador de bacilos”, já que portador é o que leva conscientemente, que vai entregar (Pinto 1958, p. 75).
Em sentidos secundários, figurativos ou por extensão, portador é também dado como aquele que carrega algo dentro de si, como sentimentos, talentos, informações, bem como fora de si, como títulos acadêmicos, de graduação e, em Medicina, doenças, deformidades físicas, eventos que extrapolam o sentido de carregar, transportar algo de um lugar para outro. Em Medicina, é comum dizer-se “paciente portador de malária” ou de outras doenças.
Tendo em vista o sentido próprio de portador, a expressão “paciente portador de déficit cognitivo” torna-se questionável em contexto científico e técnico, já que a materialidade do distúrbio inexiste como algo que se pode denominar como um porte. Do latim tardio portatore, que leva, especialmente cartas, já usado nesse sentido em 1275 (J. Machado, Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, 1977).
Os desvios de sentido próprio são fatos da linguagem em muitos outros casos e não mais cabe condená-los. Mas, para os que preferem evitar questionamentos de profissionais da linguagem por usos de galicismos, metonímias ou metáforas em lugar de sentido exato ou preciso, como também indicam bons autores a respeito de redação científica – é conveniente não se valer deles com frequência em situações formais, sobretudo como nomes técnicos ou científicos, quando for possível usar recursos vocabulares isentos de contestações. Por exemplo, em lugar de “pessoa portadora de deficiência”, pode-se dizer pessoa com deficiência. Outros exemplos: Quatro pacientes eram portadores de doença (tinham, sofriam de) inflamatória intestinal. Paciente portador do (com) HIV. Dos 400 milhões de portadores do (de indivíduos com o) vírus da hepatite B, cerca de 5% estão infectados pelo vírus da hepatite D. Apesar de o indivíduo ser portador de (ter) doença ulcerosa péptica crônica, ampliou-se a investigação da causa de sua anemia. Doentes portadores de (doentes de) gota tofácea crônica. Enfermos com a síndrome foram classificados como padecentes de pior qualidade de vida em comparação com os portadores de (os que apresentam, os que sofrem de) outras morboses em questão. Acrescenta-se que o Houaiss (2009) dá portador como regionalismo brasileiro. Observa-se que, em inglês, se diz carrier da pessoa com doenças e se tem traduzido esse nome como portador (Stedman, Dic. Médico, 1996), já que to carry significa carregar, transportar.
Não é erro usar portador de doenças se considerarmos que, de fato, o paciente leva em si seus males, etc. Mas, diante das reprovações a respeito, vindas de pessoas de bom conceito, e como bons autores sobre metodologia científica e de redação técnica e científica apregoam em seus livros o uso de termos precisos ou exatos, nota-se que isso é possível em quase cem por cento dos casos. Investir em aperfeiçoamento, sem dúvida, é mais vantajoso para evitar os questionamentos sempre que for possível.
DR. SIMÔNIDES BACELAR
Médico – Hospital Universitário de Brasília (DF)