Certificação em Mamografia foi a pioneira, abrindo caminho para outras subespecialidades. Conheça um pouco da história, dos personagens, desafios e conquistas dessa trajetória vitoriosa
Por Marcelo Balbino
O primeiro Selo de Qualidade do CBR, em Mamografia, tem história. Capítulos e mais capítulos que foram sendo construídos e que permanecem ativos, em constante renovação e aprimoramento. Foi a partir dele, e do esforço conjunto e pioneiro, que se desenharam novos cuidados e protocolos no diagnóstico do câncer de mama no país, iniciativa que foi implantada também em outras subespecialidades.
Sua criação é considerada muito relevante no cenário da saúde, por levar em conta uma nova forma de pensar e agir, moldada em critérios de qualidade e de regras que visam a melhoria constante. Um caminho que se fortaleceu e que atualmente sinaliza a permanente preocupação e evolução dos serviços de diagnóstico no segmento, voltado para salvar milhares de vidas por ano.
O início de tudo
No início dos anos 90, o CBR, então presidido pelo Dr. Hilton Augusto Koch, formulou uma proposta em conjunto com a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN). O objetivo era sugerir um levantamento dos Serviços de Mamografia instalados no Brasil e mapear a capacidade desses instrumentos em suprir aspectos qualitativos e quantitativos necessários a um programa junto à rede pública de saúde.
Na ocasião, ficou determinado que todos aqueles que aceitassem participar do rastreamento (screening), deveriam satisfazer os critérios estabelecidos pelo CBR e CNEN, sobre a qualidade de imagem e doses de radiação. Nesta realização voluntária, os primeiros participantes foram submetidos ao recém-criado Programa de Certificação da Qualidade de Serviços de Mamografia, com direito a um Certificado de Qualificação e um Selo de Qualidade aos aprovados.
Desta época, a Dra. Norma Médicis de Albuquerque Maranhão (PE), relembra que a primeira reunião do grupo ocorreu na sede do CBR em Brasília (DF), durante um evento. Para ela, - que acompanhou o nascimento do Programa de Qualidade, do qual também já foi Coordenadora por um bom tempo e hoje continua fazendo parte da Comissão Técnica, - é preciso estar sempre presente. “Temos que abraçar as técnicas, ficar em cima dos processos em uma luta diária, mas é algo que para mim é gratificante”.
Também integrante do mesmo time inicial, o Dr. José Michel Kalaf, que atua hoje como consultor da RCC Radiologia Clínica de Campinas (SP), esteve por muitos anos nas comissões de qualidade do CBR. “Foi um trabalho bastante proveitoso, realizado com dedicação, ao lado de ilustres e competentes colegas. Entre os maiores desafios, destaco a obtenção de dados em âmbito Nacional sobre o panorama da Radiologia Mamária com relação a variedade de equipamentos e exames mamográficos realizados”, avalia. Para ele, as principais vitórias do programa são a melhoria dos cuidados ao paciente; o melhor controle de qualidade; a comunicação padronizada e também o avanço em pesquisas.
Atualizar para crescer
Um dos grandes méritos do primeiro Programa de Certificação de Qualidade em Mamografia no Brasil é descrito como a sua capacidade de acompanhar de perto seu tempo, o contexto, problemas e as situações vivenciadas. Somente ao debruçar na realidade do segmento foi possível apurar circunstâncias, dificuldades e assim discutir e implantar melhorias, fortalecendo a atuação do radiologista, as condições de seu trabalho, além de procedimentos e a padronização na utilização de equipamentos.
Por este caminho, a implantação de um programa de qualidade foi aperfeiçoando as diversas questões que encontrava, como as elevadas doses de radiação, por descontrole da calibração das máquinas; a padronização de apresentação das imagens, o posicionamento da paciente durante os exames, entre muitas outros pontos verificados.
Além da padronização dos exames e de tantos progressos alcançados em procedimentos que podem salvar vidas, a preocupação com a qualidade promoveu também um avanço nos sistemas de aprendizagem, nas condutas profissionais e utilização de equipamentos. Neste sentido, o Dr. Kalaf destaca que a Certificação de Qualidade do CBR colaborou para profissionalização e crescimento da subespecialidade no país. “O programa proporcionou melhores condições para divulgação da especialidade, com ênfase na qualidade e diagnóstico precoce. Além disso, promoveu a manutenção e a ampliação das condições de ensino e a perfeita integração com as modernas técnicas disponíveis”.
O amadurecimento e progressão da subespecialidade também foi uma preocupação do CBR, enquanto porta-voz da disseminação de qualidade, conhecimento técnico, enquanto propulsor de educação e fortalecimento do setor. “Quando o programa nasceu, não existia curso específico, não existia nada. É uma educação contínua, sempre estimulada pela nossa comissão. É um trabalho ininterrupto e vital, com reuniões virtuais e presenciais periodicamente”, conta a Dra. Norma.
Alguns passos da crescente trajetória
Em janeiro de 1992 o Boletim CBR, na época impresso em preto e branco e chamado de CBR Informativo, já noticiava: Certificado de Qualificação será homologado em abril. A notícia contava que o CBR pretendia instituir um Certificado de Qualificação fornecidos aos serviços que apresentassem determinados requisitos. Posteriormente, o anúncio foi realizado no dia 24 de abril de 1992, durante uma reunião da Comissão de Mastologia. Na ocasião foram homologados, após debates, os critérios definitivos para a concessão do Certificado de Qualificação em Mamografia.
Em de março de 1992, com o programa recém-nascido, o mesmo veículo de comunicação anunciava: Programa de Qualificação já tem mais de 200 serviços cadastrados. A animadora reportagem trazia também comentários do Dr. Dakir Lourenço Duarte, da Comissão Executiva, sobre a importância do programa e suas primeiras repercussões.
Em julho do mesmo ano, o CBR Informativo mencionava que a procura para o Programa de Certificação de Qualidade estava superando as expectativas, com ao menos 80 serviços já solicitando os materiais necessários para participarem dos processos de certificação.
Em fevereiro de 1993, o CBR apresentava um levantamento sobre as instalações mamográficas do País, que somavam cerca de 400 equipamentos. Deste total, quase 50% já estava engajado no Programa de Manutenção e Qualidade. Na mesma edição era anunciada uma parceria entre o CBR e a Cooperação da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEW) com o objetivo de agilizar os processos relacionados à dosimetria dos equipamentos.
A notícia da capa do Boletim CBR Informativo de junho de 1993 não deixava dúvidas sobre a preocupação com a qualidade e adesão ao programa, trazendo o seguinte título: Controle de Qualidade em Mamografia: mais de 500 serviços envolvidos no programa do CBR.
A reportagem fazia menção sobre apoio do Ministério da Saúde ao programa, assim como da Comissão Nacional de Energia Nuclear. Ao mesmo tempo, o CBR enfatizava a necessidade do correto e completo preenchimento de dados nas fichas de participação dos serviços interessados.
Nessa trajetória, em fevereiro de 1997 (Boletim CBR Informativo número 108, página 16), foram publicados os resultados da avaliação dos equipamentos e acessórios para exames mamográficos no Programa de Controle de Qualidade em Mamografia. De acordo com a reportagem, dos 305 mamógrafos inscritos no programa na ocasião, 186 (61%) foram aprovados, entre os vários critérios estabelecidos.
Alguns anos depois, mais de 600 serviços de diagnóstico no país eram mobilizados nos processos de qualidade do CBR, conforme reportagem publicada em junho de 1999. Seguindo em frente, após muitas reuniões, novas parcerias e atualizações, o novo Selo de Qualidade era notícia em junho de 2002. Já em 2006 a matéria de capa do Boletim CBR, apontava um selo personalizado para cada uma das quatro Comissões de Qualidade: Mamografia; Ultrassonografia; Tomografia Computadorizada e Ressonância Magnética.
Em 20 de abril de 2006 o CBR assinou um Termo de Cooperação Técnica com o Instituto Nacional de Câncer (INCA). O objetivo visava adequar os serviços de radiologia e diagnóstico por imagem oferecidos nas mamografias realizadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Como parâmetro, seriam utilizados os critérios estabelecidos pelo CBR. Após avaliação e entrevista o prestador de serviço receberia um certificado com validade de três anos e permissão para utilizar o Selo de Qualidade em Mamografia.
Conscientização, mudança de cultura e muito ainda por fazer
Para entender melhor o contexto e a importância do Programa de Qualidade em Mamografia do CBR conversamos com a Dra. Norma Maranhão (PE). Presente desde o início dos trabalhos, em 1992, ela contou sobre a sua experiência no assunto e destacou armas e desafios encontrados na prevenção do câncer do mama.
A comissão realiza um trabalho prático e também burocrático?
Dra. Norma Maranhão: A gente se reúne para averiguar a qualidade dos exames práticos, médicos, dose de radiação, qualidade dos diagnósticos médicos e certificado, além dos pareceres para a criação de protocolos. Hoje a internet facilita e atrapalha a gente, alinhando com a literatura. Por exemplo: surgiu a notícia de que a mamografia dá problema de câncer de tireoide. Pesquisamos na literatura e constatamos que não tem nada a ver com isso, então precisamos desmistificar essa notícia. Aí elaboramos documentos e protocolos para enviar para os órgãos competentes. Então também temos questões burocráticas para avaliar.
Como é feita a renovação do selo e qual é a importância dele para o paciente?
O Selo de Qualidade dura três anos e após esse período nos reunimos para avaliar novas imagens, novas provas para manter o serviço dentro dos processos de qualidade e então prorrogá-lo por mais três anos. Se tiver algum problema solicitamos os ajustes até que o serviço atinja as normas de qualidade. Os convênios também solicitam a admissão do selo e somos nós que cuidamos disso. Para o paciente é importante ter esses padrões de qualidade, com as doses corretas de radiação, procedimentos padronizados.
A maioria das mulheres sabe que o diagnóstico precoce pode ser o início de uma batalha vitoriosa contra o câncer de mama?
Dra. Norma: Usualmente costuma-se dizer que a paciente tem uma chance de ser curada de câncer de mama. Uma lesão não identificada pode representar a perda de oportunidade para salvar uma vida. Por outro lado, a detecção de uma lesão realmente precoce oferece uma grande chance de cura clínica, com o tratamento adequado.
As campanhas são insuficientes? Que tipo de orientação deve ser repassada à população feminina?
Dra. Norma: Sim são insuficientes. Precisamos conscientizar a comunidade por meio de campanhas mais frequentes de prevenção do câncer de mama, além de educar a mulher para que ela própria realize seu exame de mama mensalmente, visite o seu médico anualmente e realize também sua mamografia anual após os 40 anos. Também gostaria de salientar que em termos de Programa de Controle de Qualidade em Mamografia, mais importante do que a obtenção do Selo de Qualidade é a conscientização do especialista da necessidade de oferecer ao seu paciente um diagnóstico constantemente seguro.
O que se descobriu com este trabalho, após avaliações realizadas em clínicas e hospitais de todo o Brasil?
Dra. Norma: Descobriu-se que ainda falta muito coisa a fazer, inclusive em termos de mudança de cultura. Durante muitos séculos se disse que “clínica é soberana”. Este paradigma foi derrubado em parte com o advento da radiologia, particularmente quando se trata de caracterizar lesões subclínicas na mama. Aqui é a imagem é soberana e portanto a responsabilidade dos radiologistas que atuam nesta área é muito grande. Salientamos ainda para a importância do ensino da Radiologia da Mama, que vem ocupando lugar de destaque na programação dos congressos e jornadas realizadas no país, garantindo sempre ampla frequência de especialistas da área. Do mesmo modo, os cursos de educação continuada de radiologia de mama têm tido uma procura crescente.
Selo de Qualidade CBR: a garantia rigorosos padrões
Atualmente mais de 200 clientes ativos são contemplados pelo Programa de Selos de Qualidade do CBR. O pioneiro nasceu em 1992, na subespecialidade de Mamografia e se expandiu para as áreas de Ultrassonografia, Tomografia Computadorizada e Ressonância Magnética.
Como resultado, cada um deles traz o objetivo de promover mais qualidade e segurança para os pacientes em todos os exames realizados. O selo representa uma garantia de rigorosos padrões, indicando que a clínica ou hospital foi submetido à avaliação do CBR, garantindo assim a qualidade técnica das imagens e laudos dos exames. Portanto o benefício do selo se estende para médicos, operadoras de saúde e principalmente para os pacientes.
Atualmente, o processo de avaliação para obtenção do Selo de Qualidade CBR é realizado de forma simples e automatizada. As etapas de certificação ocorrem em uma plataforma digital, de forma autônoma e podem ser acessadas por aqueles que desejam ser avaliados.
O programa tem abrangência nacional e avalia a qualidade do método que a clínica ou hospital utiliza. É um processo voluntário, sigiloso e imparcial, podendo ser adaptado a qualquer porte ou tamanho de serviço de diagnóstico por imagem.
Para cada uma das áreas que compõem o Programa de Selos de Qualidade do CBR, há comissões compostas por diversos radiologistas especializados. Os grupos funcionam com autonomia e caráter de inclusão, sem características punitivas e são compostos por membros representativos e de grande experiência no respectivo método.
No ano em que o CBR celebra 30 anos de seu primeiro Programa de Qualidade, acompanhe a seguir as palavras da atual Coordenadora da Comissão Nacional de Mamografia.
Comissão Nacional de Mamografia: 30 anos de luta e dedicação!
Por Linei Urban, coordenadora da Comissão Nacional de Mamografia do CBR
Promover a cultura pela qualidade é essencial em todas os setores, em especial na saúde e na radiologia. Essa preocupação foi introduzida no Brasil na década de 90, quando vários modelos de gestão de qualidade foram implementados. Foi nesse contexto, que o Colégio Brasileiro de Radiologia, como um verdadeiro precursor e pioneiro na gestão da qualidade, implantou o primeiro Programa de Certificação de Qualidade em Mamografia no Brasil, em 1992. Devemos sempre lembrar e enaltecer o trabalho dos visionários desse projeto, como o Dr. Hilton Koch, presidente do CBR na ocasião, o Dr. Dakir Duarte, na qualidade de primeiro coordenador, assim como os primeiros membros que fizeram parte da comissão: Norma Maranhão, Radiá dos Santos, José Michel Kalaf, Carolina de Azevedo, Elvira Marques, Maria Inez Gadelha e João Emílio Peixoto. O trabalho e esforço deles iniciou o caminho que traz frutos até hoje, 30 anos depois!
Esse projeto evoluiu de acordo com os problemas detectados e, como consequência, melhorias foram observadas nos exames de mamografia no Brasil. Na primeira fase do programa, os principais motivos de reprovação eram as doses de radiação altas utilizadas por aparelhos nem sempre calibrados, assim como o posicionamento dos exames, que não permitia a visualização da mama de forma adequada. Foram realizados cursos de capacitação para técnicos, assim como foi reforçada a importância da calibração dos aparelhos de mamografia. Passada essa fase, observou-se que a qualidade clínica das imagens enviadas nem sempre atendia aos padrões necessários para a detecção precoce, relacionados a diversos problemas, entre eles a compressão inadequada das mamas ou o uso de filmes ou impressoras não específicas. Nova abordagem foi realizada e uma melhora foi observada nesse quesito. Atualmente, o que mais chama a atenção são os problemas relacionados a qualidade de interpretação e dos laudos dos exames. Portanto, uma nova fase com cursos de capacitação aos médicos interpretadores está sendo realizada. É dessa forma que a Comissão Nacional de Mamografia contribui com a melhora de detecção do câncer de mama e consequentemente, com a melhora da sobrevida e qualidade de vida das mulheres no Brasil.
É importante lembrar que o trabalho da Comissão Nacional de Mamografia nunca se limitou apenas ao Programa de Certificação de Qualidade em Mamografia. Atuou também em diversas áreas, emitindo pareceres e diretrizes sobre temas de importância a radiologia mamária, como o uso de protetores de tireoide e outras blindagens para o corpo durante a mamografia ou sobre os tipos de monitores adequados para a interpretação da mamografia, entre outros. Participou de várias publicações de impacto, como a tradução das edições do Atlas BI-RADS ou as diretrizes para o Rastreamento do Câncer de Mama no Brasil, em conjunto com a Sociedade Brasileira de Mastologia e a Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia, com a primeira publicação em 2012, a segunda em 2017 e a terceira agora, em 2022.
Vários são os desafios para os próximos anos da Comissão Nacional de Mamografia. Entre eles, ampliar o número de clínicas participantes do Programa de Certificação de Qualidade em Mamografia e, consequentemente, o acesso das mulheres ao rastreamento de qualidade. Melhorar a conscientização das mulheres sobre a importância da detecção precoce do câncer de mama. Melhorar o acesso de todos à informação de qualidade e com respaldo científico, combatendo as tão famigeradas fake news. Contribuir com os programas de saúde pública a fim de trazermos os benefícios reais da detecção precoce para a população. Essa é a nossa luta! E que venham os próximos 30 anos!
* Matéria publicada na edição 398 do Boletim CBR, em abril de 2022
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